quinta-feira, 25 de abril de 2013

Old Funeral "Our Condolences (1988 - 1992)"

O norueguês Old Funeral é mais conhecido pelo rumo tomado por seus integrantes após o fim da banda do que por sua própria música. Seu guitarrista, Kristian Vikernes (depois rebatizado Varg Vikernes), montou posteriormente o magistral Burzum; seu baixista/vocalista, Olve Eikemo (aka Abbath Doom Occulta), o não menos importante Immortal - ambos nomes seminais do então nascente black metal norueguês. Embora o Old Funeral não tenha alcançado o sucesso da dupla Burzum e Immortal, produziu música de inegável qualidade. Nessa coletânea dupla, lançada pela Soulseller Records, temos o que promete ser a compilação definitiva da carreira da banda. Além do ep Devoured Carcass, da demo Abduction of Limbs (ambos os registros de 1990), de uma faixa ao vivo, outra em estúdio e de uma sessão de gravação de 1992, que já constavam de compilação anterior lançada pelo selo Hammerheart, foi aqui incluída a primeira demo da banda, de 1988 - The Fart that Should Not Be (o nome "engraçadinho" definitivamente não ajuda) -, bem como outras faixas ao vivo. O material é bem heterogêneo, variando tanto a qualidade de gravação como o próprio estilo do som do Old Funeral. Na demo de 1989 (ainda sem Vikernes, mas com Abbath) ouve-se um razoavelmente bem gravado deaththrash, muito agressivo, repleto de mudanças de andamento e com um vocal desgraçado, que mais parece uma versão do Mille do Kreator (dos primórdios) sofrendo de grave infecção de garganta. Os riffs afiados me fizeram pensar numa mistura do próprio Kreator, do Pleasure to Kill, com o antigo Messiah da Suíça. O ponto negativo fica por conta das letras tolas, que conferem um clima de joke band incompatível, na minha opinião, com a direção musical mais radical seguida pela banda. Na demo posterior, de 1990, assim como no ep do mesmo ano (este último já com Vikernes, mas sem Abbath), o Old Funeral assume postura mais séria e ingressa nos domínios do death metal puro e veloz. A música, no entanto, continua complexa. Por vezes, até demais. Em determinadas faixas o excesso de variação de riffs e a constante mudança de andamentos atrapalham a unidade das músicas, fazendo-as soar mal-costuradas. Quando a banda opta pelo som mais simples e direto, os resultados são sensivelmente melhores, como na arrasadora death/grind Devoured Carcass. O vocal também adota uma abordagem declaradamente death: quando a cargo de Abbath (na demo), um pouco mais vomitado; quando a cargo do baterista (no ep), totalmente grave e gutural. A produção nesses dois registros é bem aceitável, sendo melhor no ep, que soa bem pesado. Já na sessão de estúdio gravada em 1992 (Abbath e Vikernes já estavam fora da banda), o canto de cisne do conjunto, o death metal de outrora cede espaço para um black metal de respeito, cadenciado (não há partes rápidas), no qual abundam melodias bem feitas, ótimos vocais e até passagens viking. Confira-se, a esse propósito, a excelente Alone Walking. O resultado final lembra, em alguma medida, o Immortal do Diabolical Fullmoon Mysticism. Talvez a presença do Abbath em ambas as formações tenha gerado essa aproximação no som das bandas. É uma pena que o Old Funeral tenha acabado justamente nessa época, que mostrava ser sua fase mais criativa. Anote-se, por fim, que as faixas ao vivo são muito mal gravadas e pouco acrescentam à compilação. Talvez sua única função seja revelar uma ironia: o idiota do Vikernes, que depois se tornaria um celerado mezzo neo-nazista, mezzo neo-paganista, leva com seus companheiros um cover de Agathocles (Judged by Appearance), banda de forte mensagem esquerdista, libertária e anarquista. Ideologias à parte, o Old Funeral é uma banda histórica, aqui apresentado numa coletânea bacana, que merece ter seu som mais divulgado entre os fãs de metal extremo.
 
 
Our Condolences - compilação


Os integrantes do Old Funeral, já com maquiagem e pose da fase black metal
 

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Wrathprayer "The Sun of Moloch"

Não tenho receio de asseverar: de uns dez anos para cá, o Chile se firmou como a principal cena death/black metal da América do Sul. Unaussprechlichen Kulten, Atomicide, Demonic Rage, Chainsaw, Ammit, Goatoimpurity, Assault, Slaughtbbath são apenas alguns dos nomes que povoam o fértil cenário chileno. O Wrathprayer vem se juntar a essa leva de boas bandas e já surge assumindo posição de destaque. Recentemente, quando assiti à apresentação da banda no NWN Fest III, em Berlim, no fim do ano passado, o que mais me chamou a atenção foi sua similaridade com o som do Sarcófago antigo. Agora, ouvindo com mais calma o debut de estúdio dos caras, lançamento conjunto da NWN e da Ross Bay Cult do Canadá, vejo que estava errado. Não que o mítico conjunto mineiro seja completamente estranho ao excelente death/black detonado pelo Wrathprayer. Mas as marcas mais óbvias do som dos chilenos não vêm do Brasil, mas da América do Norte. É que a sonoridade desse  The Sun of Moloch lembra muito a do americano Demoncy no clássico disco Joined in Darkness, inclusive nos vocais, com algumas pitadas de Blasphemy (principalmente nas levadas de bateria) e de Black Witchery (na rifferama). Sem embargo, os chilenos estão longe de soarem como cópias e tiveram competência para transformar suas influências em um som próprio, dotado de personalidade. Não classificaria o Wrathprayer como war black metal, embora traços do estilo estejam inegavelmente presentes no som da banda. De fato, os riffs de guitarra são menos caóticos (e a palhetada menos furiosamente rápida) do que a média dos grupos de war black. Também há maior varidade nos andamentos, não se furtando os chilenos de incluir longas e tétricas passagens cadenciadas em suas músicas, como se ouve na ótima The Annunciation I:I (Vermis Precatus). A produção também é mais limpa, embora seja muito pesada, o que permite identificar-se com relativa clareza cada um dos instrumentos. Tudo isso confere ao som do Wrathprayer uma solenidade trágica, uma certa aura "gélida" - bem diferente, a propósito, da sonoridade típica do war black metal, que normalmente é "quente", resultado, em grande medida, da dinâmica de riffs curtos e repetitivos do estilo - que mais o assemelha à trilha sonora de algum ritual macabro. Trata-se de som extremo, mas bem composto e bem tocado, com muito clima e espírito. Sem dúvida um dos melhores lançamentos recentes da gloriosa cena death/black chilena.
 
 
A intrigante capa de The Sun of Moloch
 

domingo, 14 de abril de 2013

Pathogen "Forged in the Crucible of Death"

Vasculhar o underground em busca de novas bandas nem sempre é tarefa fácil. Muitas vezes o que se descobre são apenas bandas medíocres ou decididamente ruins. Hoje, com o myspace e o youtube, ao menos não se torra mais tanta grana à toa. Há não muito tempo, a coisa era bem diferente. Conhecer novas bandas implicava gastar dinheiro com base, em grande medida, nas dicas (obviamente parciais) disponíveis nos próprios sites das lojas e gravadoras. Eu mesmo já perdi muito tempo e dinheiro nisso, comprando gato por lebre. Por isso é tão prazeiroso descobrir uma banda realmente legal da qual nunca antes se havia ouvido falar. É o caso do Pathogen, das Filipinas. Forged in the Crucible of Death já é seu terceiro full lenght, mas somente agora tomei conhecimento desses old deathbangers filipinos. Sem embargo, ainda que a banda tenha nascido em 2001, seus integrantes, com toda a certeza, já deviam militar no underground bem antes disso. Porque o que se ouve aqui é um som feito com grande conhecimento de causa, repleto de referências ao que de melhor surgiu no death metal dos anos oitenta. Massacre, Autopsy, Celtic Frost e Death (antigos), Sepultura (do Morbid Visions), Death Strike/Master, Obituary, Necrophagia (do Season of the Dead), quase todas as bandas icônicas dos primórdios do metal da morte parecem ter influenciado o som do Pathogen. E o discípulo faz jus aos mestres. As composições da banda são absolutamente certeiras: riffs afiados calcados em power-chords e embalados por mudanças precisas de andamento (ora mais cadenciado, ora acelerando para o speed, mas sem nuncar descambar para os blast beats do death noventista); guitarras pesadíssimas e com afinação baixa; solos sujos e alavancados; vocal grave e cavernoso (na linha do Tom Warrior, do Celtic Frost), mas sem tornar-se ininteligível; tudo de acordo com a mais ortodoxa cartilha do death metal old school. Algum chato elitista poderia dizer que o som do Pathogen carece de originalidade. Verdade. Contudo isso não é, necessariamente, um defeito. Ora, executar com precisão uma fórmula de reconhecido sucesso é também prova de competência. E o Pathogen sabe muito bem como despejar death metal da velha escola sobre o ouvinte. Todas as faixas do disco são ótimas, mas destaco Thresholds of Pandemonium, que inicia com uma levada meio-tempo à la Death Strike/Master, depois engata um speed pesadíssimo ao estilo Death, evolui para uma cadência celticfrostiana de quebrar o pescoço, abre espaço para um solo cheio de sujeira, retoma o meio-tempo, depois o speed (com outro solo caótico), para encerrar com uma parte arrastada e sinistra reminiscente a Necrophagia. Verdadeiramente empolgante! Uma pequena objeção poderia ser levantada quanto à sonoridade da caixa da bateria, que ficou um pouco "oca". Nada, porém, que macule a qualidade do disco. Em tempos nos quais a velocidade se tornou quase um fetiche sem sentido no cenário do metal extremo, é bom ouvir bandas que resgatam aquilo que o death metal (e o heavy metal em geral) tem como sua verdadeira essência: o peso.
 
 
Forged in the Crucible of Death - death metal in the old good way

A galera do Pathogen
 

domingo, 7 de abril de 2013

Prosanctus Inferi "Red Streams of Flesh"

Desde que o Angel Corpse encerrou as atividades, poucas vezes deparei com bandas de death metal, no estilo americano, como o Prosanctus Inferi. De cabeça, só me lembro do Perdition Temple, grupo que o Gene Palubicki, guitarrista do próprio Angel Corpse, montou depois do fim da sua banda original. O que temos nesse ep (mais um ótimo lançamento da Nucelar War Now Productions) é um death metal intenso, seco e estridente, com repetidas mudanças de riffs e no andamento das músicas, que se alternam entre speeds e blast beats (quase não há partes lentas). O som é muito bem tocado e preciso, mas não chamaria de técnico. A produção limpa, sem montanhas de reverbs e delays, contribui para que se ouça claramente o que cada instrumento está fazendo. Destaquem-se os bumbos ultra-rápidos e os solos de guitarra - esses últimos que conseguem a proeza de não soarem chatos. O vocal é muito bom e segue uma linha mais vomitada e menos gutural, lembrando os vocais infernais do Paul Ledney no Profanatica. Difícil apontar uma música em especial, já que o material é bem homogêneo, mais parecendo um tema único dividido em várias partes. Ainda assim ressaltaria a excelente Hairs of Incest, construída sobre uma seqüência de eficientes riffs. O americano Prosanctus Inferi conta, em sua ainda curta discografia, com um full lenght anterior, lançado pela Hells Headbangers, que vai exatamente na mesma toada. É bom constatar que nem todo mundo no death metal old school contemporâneo tem como paradigma o Incantation ou o death sueco de raiz. Sem dúvida Incantation e death sueco são ótimas referências - a propósito, o death sueco antigo é um dos meus estilos favoritos (não confundir com a porcaria melódica de Gotemburgo, por favor!). Mas ouvir bandas modernas que toquem na linha do Angel Corpse e, recuando mais no tempo, do Morbid Angel das antigas é salutar e demonstra que o glorioso death metal não depende de uma única fonte para seguir firme e forte.
 
Prosanctus Inferi - um dos logos mais indecifráveis da história do death metal


O ep Red Streams of Flesh
 

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Necrobutcher "Schizophrenic Noisy Torment"

Antes de mais nada, vou me permitir contar uma história.
Foi no princípio dos anos noventa que pela primeira vez ouvi falar do catarinense Necrobutcher. À época eu tinha por hábito procurar por referências de novas bandas nas costumeiras listas de agradecimentos constantes dos encartes dos discos de metal. Lendo uma dessa listas - no caso, a do split vinil dos mineiros do Expulser com o Brutal Distortion, lançado pela obscura Maggot Records -, achei a menção ao Necrobutcher com o seguinte comentário: "Gods!". Uma vez que tinha adorado o som do Expulser no split, fiquei na fissura para arrumar material desse tal Necrobutcher ("com esse nome massa, o som só pode ser porrada!", pensei). Depois de agitar alguns contatos no underground - no início dos noventa a internet ainda não era o impressionante repositório de informações que é hoje -, consegui uma fonte que tinha as demos da banda. Essa fonte (um sujeito pretensioso que integrava, e ainda integra, grupo famoso na cena black/death metal brasileira) negou-se a copiar para mim o material, ao argumento de que não mostrava o som do Necrobutcher para qualquer um (qualquer um?! como se houvesse legiões de pessoas batendo na porta do cara procurando por essas demos...). Lembro bem da frase idiota da figura: "quem tem, tem, quem não tem...". Quem não tem arruma, ô dacueba! Demorou mais um tempo, mas enfim consegui as demos. Primeiro como arquivo de computador, depois num bootleg cd. Os tempos hoje são outros. Agora ninguém mais depende de mp3 nem de disco pirata para ouvir o Necrobutcher. A incansável Nuclear War Now Productions acaba de relançar o material da banda, no formato cd e em vinil (versão standard e die hard).
Falando da compilação, o que temos aqui são as duas demos oficiais lançadas pela banda durante seu curtíssimo período de vida: Schizophrenic Christianity e Corrosive Noisy Torment (ambas de 89), além de mais dois ensaios do mesmo ano. Dizer que a qualidade de gravação é pavorosa seria abrandar o negócio. Trata-se, a rigor, de um dos mais toscos registros da história do metal. Se não acredita, confira a faixa título Schizophrenic Christianity. É mesmo difícil de acreditar que a primeira demo tenha sido gravada em um estúdio de verdade (como declarado pela banda) e não na garagem imunda de um de seus integrantes, com recurso a um tape-recorder mono dotado de microfone ambiente. Arrisco-me a sugerir que a sonoridade da segunda demo é ligeiramente menos abominável, o que surpreende, já que foi gravada (segundo a própria banda) no local de ensaio.
E a música? Fora do tempo, desafinada, indiscernível? Tudo isso poderia ser assacado como crítica. Como crítica, porém, seria totalmente fora de contexto, já que a proposta do Necrobutcher é precisamente fazer um som fora do tempo, desafinado e indiscernível: pura anti-música. Nesse sentido, eles foram insuperáveis. O caos do som é tamanho que mesmo o metal extremo parece ser pouco radical para a banda - eles chegam a ter uma música (?) batizada de "No Thrash", na qual repudiam o thrash metal da época como conformista, poser e não underground! A bem da verdade, em muitos momentos o que se ouve não é sequer metal, mas puro noise. Na demo Schizophrenic Christianity o estilo, em sua versão mais exagerada, ainda prevalece, na forma de um death/black tonitruante no qual se misturam influências de Sarcófago (do INRI), Holocausto (do Campo de Extermínio) e do igualmente anti-musical Exterminator. Em suma, o que de mais pútrido o underground deathcore de Belo Horizonte fora capaz de excretar até então. Já na segunda demo, Corrosive Noisy Torment, o punk/grindcore ganha espaço - são óbvias as citações aos ingleses do Sore Throat e do Napalm Death. O som dessa demo me lembra muito o som que o quase desconhecido grupo punk de grind/noise paulistano Brigada do Ódio fazia pela mesma época (ou um pouco antes). Talvez tenha sido mesmo influência direta. Nos dois ensaios que também integram a compilação, a sonoridade é igualmente tosca, sendo de se notar que, numa delas, há o melhor desempenho do vocalista, ao lançar mão de um rosnado mais death metal e menos gritado que funciona bem.
A edição em vinil, como sói acontecer com os lançamentos da NWN, é de qualidade assombrosa, incluindo um encarte em forma de fanzine com a reprodução de inúmeras entrevistas e resenhas da banda publicadas no período (e até uma entrevista mais recente com o Cristiano, o antigo vocalista). Fantástico! Só senti falta da inclusão dos covers do Agathocles, famoso grupo de grindcore belga, que constam de um bootleg mais antigo do Necrobutcher que eu tenho. Nada, porém, que diminua a importância dessa definitiva compilação. A NWN presta verdadeiro serviço de utilidade pública ao imortalizar na mídia adqueada - o vinil - o material de uma das mais relevantes bandas do real metal extremo brasileiro do fim dos oitenta!

A sensacional versão em vinil (die hard) da NWN

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Voices from the Darkside - zine

Compilações de demos, reedições de álbuns fora de catálogo, vinis pictures limitados. Nada disso atualmente é novidade no agitado mercado de relançamentos. A onda agora, contudo, alcança novas alturas.
A alemã Voices from the Darkside foi um dos principais zines de metal extremo, escritos em inglês, da década de noventa. Focada inicialmente no então insurgente death metal, nos anos seguintes ampliou sua linha editorial para abarcar o heavy, o thrash e o black. A Iron Bonehead (atacando de editora) publica, em um grosso volume único, a versão completa dos dez números editados durante os cinco anos de existência da revista, de 1992 a 1997. De capa a capa, incluindo os anúncios, tudo foi integralmente reproduzido. Nem mesmo a coluna (escrita em alemão) publicada na revista mainstream de heavy metal Horror Infernal, que deu origem ao zine, ficou de fora. A qualidade da impressão - tudo é em preto e branco - não é, contudo, das melhores, mas isso se deve, decerto, à qualidade do papel original do zine. De certo modo, dá um charme a mais à edição. Parece que você está lendo os próprios originais.
A edição completa da Voices from the Darkside é a primeira, mas certamente não será a última desse tipo. Em breve deveremos ter outros zines famosos daquela época reeditados, em volumes igualmente grossos, como a Slayer Mag. (Noruega), a Petrified Zine (EUA), a Blowing Thrash (Chile), a To the Death (Suécia), a Aardshock (Holanda), a Metal Forces (Inglaterra), a Metallion (Canadá) e, pq não, a nossa velha brazuca Rock Brigade.