sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Antichrist Hooligans (Hammer of Damnation)





Uma coisa fundamental que descobri depois de muitos anos comprando discos foi que existem atalhos para o colecionador encontrar bandas legais. Mais especificamente, atalhos que podem encurtar o caminho na busca por um som de qualidade, de modo a evitar que o aficionado por música venha a perder tempo e dinheiro em demasia com porcarias rematadas ou bandas simplesmente descartáveis.
Um desses atalhos – um dos mais promissores – é conseguir identificar selos que sejam confiáveis. Selos que não lancem discos em escala industrial, visando a faturar pela quantidade e não pela qualidade de suas bandas. Selos que mantenham um padrão estético de qualidade. Não raro um padrão estético comprometido com algum estilo específico do metal. Em suma, é a velha história: selos que não sejam puramente comerciais. A verdade é que quando a gravadora é de respeito, seus lançamentos tendem a manter um nível mínimo de excelência. Enfim, você até poderá vir a não gostar, evidentemente, de determinado disco, de determinada banda, de um selo desses, mas dificilmente dirá que se trata de música de baixa qualidade.
A gravadora e distribuidora Hammer of Damnation, em minha opinião, inclui-se nesse seleto grupo de selos brasileiros respeitáveis.
Fundada em meados dos anos noventa pelo guitarrista e vocalista da banda de black metal paulista Evil, o Luiz Carlos de Oliveira (aka Warlord), a Hammer of Damnation sempre se destacou por dedicar-se ao patrocínio de grupos obscuros e radicais, inclusive em matéria lírica, pinçados, majoritariamente, do underground extremo nacional. Embora o black metal seja o foco principal do selo, a gravadora também cobre outras vertentes do metal, como o death metal old school e até o black thrash metal oitentista. Seu catálogo on-line oferece muitos títulos interessantes (vários deles a preços convidativos) e está repleto de bandas menos conhecidas, embora relevantes, do cenário black metal europeu, marcadamente as que colhem influências do folk e do viking metal.
Vale ressaltar que a Hammer of Damnation acabou de celebrar um acordo com a polêmica gravadora alemã Darker than Black, por meio do qual passará a atuar como sua filial oficial no Brasil.
A seguir vou destacar alguns bons lançamentos recentes do selo, assim como alguns mais antigos que, acho, merecem a atenção dos aficionados por metal extremo. Todas as bandas aqui mencionadas são brasileiras.

Antichrist Hooligans
"We Will Piss on your Grave"
Quem aí se lembra do velho Necrobutcher? Seu ex-vocalista, o Cristiano “Kranium” dos Passos, depois de anos sumido, volta a atacar (ao lado de outras figuras carimbadas do underground extremo de Santa Catarina), agora como batera desse ótimo Antichrist Hooligans. Diferentemente do Necrobutcher, o som do A. H. nada tem a ver com death ou noisecore. O que temos aqui, em seu disco de estreia, é um black thrash metal fiel ao som germânico dos anos oitenta – “nuklear metal punk nekro thrash metal”, segundo definição da banda –, que soa como um rebento bastardo de Destruction e Kreator dos primeiros lps com uma queda pelo punk. Ouça-se, por exemplo, os agudos do vocalista (que é puro Schmier) ou os riffs despejados pelas guitarras, uma mistura de “Endless Pain” com aqueles fraseados angulosos do “Infernal Overkill”. A bateria também segue a linha teutônica old school, revelando uma sonoridade mais seca e menos thrash que aproxima o som da banda do speed metal, assim como também acontecia nos primeiros plays dos grupos alemães que lhe servem de modelo. Entre as doze faixas que compõem o disco, destaco a ótima "Black Masses in Paradise", dotada de riffs empolgantes e uma parte cadenciada, ali pelo meio da música, capaz de arrancar a cabeça do ouvinte. Sem dúvida a melhor banda de retrothrash do Brasil.

Ritualmurder e Luvart (Hammer of Damnation)

Ritualmurder
"Ritual of Heavenly Murder"
Trilhando o caminho do mais tétrico black metal vem esse lúgubre Ritualmurder. Em seu disco de estreia, a banda apresenta um som realmente sombrio, dramático e verdadeiramente assustador, em que se destacam os vocais soturnos, em algo reminiscente do Attila Csihar no seu primeiro trabalho com o Mayhem, e a excelente rifferama cheia de trêmolos, na linha do black norueguês de raiz.
A banda de Euronymous, no “De Mysteriies Dom Sathanas”, é a principal referência, aos meus ouvidos, do Ritualmurder, inclusive na produção adotada no disco. Note-se, por exemplo, a timbragem aguda e cortante da seção de cordas. Citações a Sarcófago do “INRI” também surgem aqui e ali, notadamente em certos riffs de guitarra. De seu turno, a bateria acelerada, dominada por blast beats, não dá descanso ao ouvinte, com exceção da longa introdução semideclamada e da faixa “Funeral”, esta última totalmente arrastada ao estilo do antigo Samael.
A melhor música, a meu ver, é a que fecha o disco, intitulada “Ritualmurder”. Trata-se de um arregaço dirigido por trêmolos high pitched palhetados à velocidade da luz, na melhor tradição norueguesa. O clima tenebroso que envolve essa faixa em particular, feito à base de backing vocals fantasmagóricos, é verdadeiramente de arrepiar. Um disco especialmente recomendado a quem já perdeu as esperanças na redenção da humanidade. NOTA: Como não consegui um link com a música "Ritualmurder", vai aí um para a faixa "Nightmare", disponível para audição no próprio site da Hammer of Damnation.

Luvart
"Necromantical Invocation"
Ainda dentro do black metal, mas com uma abordagem bem diferente, é o Luvart. A banda não é nova. Formada em Juiz de Fora/MG na primeira metade da década de noventa, somente agora, depois de longo período de inatividade, pôde gravar seu primeiro full lenght. A espera, contudo, valeu a pena. Seu debut (comprometido até o osso - digo, a alma - com o ideário satânico-ocultista) é composto por dez faixas de músicas ritualísticas, mamutescamente pesadas e cadenciadas, nas quais as escovadas de guitarra são exploradas até o limite da exaustão.
A analogia mais óbvia da música do Luvart, ainda que não seja exata (os caras são, de fato, bem originais), é com o Samael do inigualável “Worship Him”, assim como, num grau menor, com o Celtic Frost da obra-prima “To Mega Therion”. Sem embargo, doses de death metal do início dos noventa – vide, por exemplo, os vocais guturais utilizados por Luggal Merodach – também se incorporam à identidade musical da banda, dando um gosto todo especial ao som. A esse propósito, ouça-se a marcante “Return of the Legion”, no curso da qual surge uma fodida passagem death/doom na linha do que fazia o ícone do death metal alemão Morgoth em seus áureos tempos.
A produção deixou o disco com uma sonoridade mais seca e moderna (felizmente, não excessivamente moderna), sendo possível ouvir-se com clareza os instrumentos, inclusive os bumbos, que soam agudos e bem na cara. Música feita por gente que conhece do riscado: original sem ser excessivamente avant garde e tradicional sem ser demasiadamente retrógrada. NOTA: Mesma história do Ritualmurder (como os discos foram recentemente lançados, ainda não há links na net para todas as músicas); forneço o que está disponível para "The Ancient Ritual".

Evil e Hammergoat (Hammer of Damnation)

Evil
"Pure Black Evil"
Uma das melhores e mais antigas bandas de black metal em atividade no Brasil, o paulista Evil conta com extensa lista de demos e de lançamentos em ep. Nesta compilação estão reunidos diversos sete polegadas e splits, alguns anteriormente disponíveis apenas em vinil, gravados pela banda entre os anos de 1996 e 2008. A produção, como não poderia deixar de ser, varia muito entre as músicas. Uma coisa, contudo, mantém-se constante: é invariavelmente tosca – como, aliás, exige o estilo.
O black metal da banda evoluiu pouco ao longo dos anos, mantendo-se sempre bem radical, numa linha tênue que oscila entre a fase black metal raiz do Behemoth, da Polônia, os primeiros plays do Burzum e as clássicas bandas francesas das Légions Noires, notadamente Mütiilation e Vlad Tepes. O destaque vai para os marcantes vocais desesperados de Warlord e os competentes, hipnóticos e ultradistorcidos riffs de guitarra, que conseguem o feito de soarem melódicos sem caírem na pieguice, mais ou menos no espírito dos velhos discos da banda de Varg Vikernes. A bateria, em regra, é bem discreta, limitando-se a marcar, ainda que com eficiência, o tempo da música, sem peraltices ou blast beats excessivos.
Aquele clima “nostálgico”, típico do bom black metal europeu noventista, domina a maioria das faixas e torna a audição emocional e fortemente contemplativa. Salvo um momento ou outro, não é música feita para headbanging. Ao ouvinte atento, pequenas mudanças na execução das bases, que se repetem exaustivamente ao longo de cada música, revelam aquele biscoito fino que muitas vezes separa as bandas superiores das medianas. Um par de músicas mais “rockers”, ao estilo Bathory do primeiro lp, destoa um pouco da aura obscura do resto do material. Nada, porém, que deponha seriamente contra a qualidade desta compilação, que ainda conta com um cover da lenda black metal alemã Moonblood.
Um bom exemplo da “mal gravada”, eficiente e emotiva música do Evil pode ser encontrado em "A Southern War from the Winters March", faixa tirada do split de 1996 com o Aryan Blood, da Alemanha. Relevante compilação de uma das bandas mais representativas do metal negro underground feito no Brasil. NOTA: O link fornecido acima possibilita a audição de alguns poucos segundos de todas as músicas constantes da compilação.

Hammergoat
"Regeneration through Depopulation..."
Projeto do pessoal do Evil, e bem diferente desse, o Hammergoat detona, em seu ep de estreia, um war black metal vil, niilista e fanaticamente antimelódico, ancorado em Blasphemy, Beherit e desgraceiras similares, mas sem soar como uma cópia barata. Momentos de full speed contrastam, graças à irrupção de transições súbitas, com passagens marciais tributárias da banda de Caller of the Storms, Black Winds e cia. Uma centelha infernal, inflamada pelo Archgoat, da Finlândia, também fagulha na música do Hammergoat, na forma de cadências sinuosas que conferem uma atmosfera de asfixia hipnótica ao seu som. Ouça a faixa "Misanthropy: the Future" e diga se não é para sair chutando todo mundo com o coturno durante o show. Para fechar o play, há um cover de “Black Vomit”, do Sarcófago, tocado com a fúria que a música exige. Banda fortemente recomendada a quem curte o lado mais visceral do black metal.

Dethroned Christ e Ravendark's Monarchal Canticle (Hammer of Damnation)

Dethroned Christ
"Roots of Ancient Evil"
O Dethroned Christ, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não é outro projeto dos integrantes do Evil, mas a banda que os caras tinham antes de formá-lo. Depois de mais de uma década dormitando, o grupo foi reanimado para a gravação de seu debut – um par de demos e um split era tudo o que havia sido registrado até então. Todo o material aqui apresentado é inédito. Não houve regravações de músicas antigas. O que ouvimos neste play é uma mistura bem tradicional de death, black, thrash e até um pouquinho de heavy clássico, à qual não se nega a adição de doses razoáveis de melodia. Em certas faixas, as marcas de Bathory do primeiro disco, do onipresente Sarcófago do “INRI”, de Venom do “Black Metal” e de Destruction antigo são claras, mas nada muito exagerado. O black norueguês noventista também tem seu espaço. Um momento mais épico igualmente aflora, de leve, hora ou outra, ajudando a conferir uma cara bem diversificada à banda. Enfim, o Dethroned Christ, neste seu primeiro full lenght, executa um hibridismo musical assumidamente old school, agrupando influências variadas em seu repertório. O destaque vai para a faixa de abertura do disco, convenientemente intitulada "The Return", em que a catadupa de influências da banda se mostra costurada com sucesso.

Ravendark's Monarchal Canticle
"Sob a Bandeira do Ódio e da Arrogância"
Também na estrada que leva à mistura desbragada de influências vem esse Ravendark’s Monarchal Canticle. Black, thrash e death metal oitentistas são a base do som da banda, que vomita sobre os ouvintes seus hinos militaristas (bradados em português) de ódio contra a humanidade. Entre muitas outras referências, a música do R.M.C. lembra o velho e inesquecível Holocausto – obviamente, sem a mesma qualidade – da época do “Campo de Extermínio”, principalmente no vocal. Confira a faixa "Komando Brasileiro" e comprove. Um chauvinismo nacionalista muito comum nas bandas de war metal (não confundir com war black metal) impregna grande parte das letras dos caras. A produção, infelizmente, é pobre e deixou as músicas com menos peso do que seria adequado. Alguns riffs meio derivativos (e até ingênuos) igualmente atrapalham a completa apreciação da obra. A bem da verdade, o play tem mais defeitos do que virtudes, mas há algo no som da banda que decididamente atrai minha simpatia. Embora o disco tenha seu valor, ainda não foi dessa vez que o R.M.C. marcou seu gol.

Asaradel (Hammer of Damnation)

Asaradel
Compilação de demos
Em sentido diametralmente oposto ao Dethroned Christ e ao Ravendark’s Monarchal Canticle, os mineiros do Asaradel invocam das negruras abismais do Hades o black metal mais puro, ortodoxo e hermético que se possa conceber. Esta compilação apresenta a demografia completa da fase metal dos caras, composta de três registros: “...of Satanas”, de 1991, “Avernus”, de 1992, e “Perpetuating the Law”, gravada no ano seguinte.
O som do Asaradel é de uma originalidade inquestionável. Dolorosamente cadenciado, a ponto de o doom mais arrastado parecer-lhe veloz, é carregado de acordes viajantes de guitarra que mais se assemelham a lamentos distorcidos reverberando infinitamente pelos intestinos tortuosos de uma caverna fria e úmida. Essa atmosfera singularmente obscura é em parte obtida com a utilização massiva de efeitos como o delay, tanto na guitarra, que abusa dos dedilhados macabros e dissonantes, como nos vocais, rasgados e encapetados. Música contemplativa feita para desencarnar do corpo. Ouça com cuidado a faixa título da demo de estreia e tente discordar. Já na demo de 92, consta um cover para a ótima “Doom of the Necroslaughter”, tema do clássico grupo holandês de black/doom Necroschizma (que só gravou demos em sua marcante e curta existência). Não por acaso, o Necroschizma é o parente musical mais próximo dos mineiros, embora cada um tenha sua própria e inconfundível identidade.
As duas primeiras demos do Asaradel são absolutamente sagradas, sendo que “...of Satanas”, na minha opinião, é um dos melhores e mais importantes registros de black metal do underground brasileiro. Uma pena que o conjunto haja mudado o direcionamento musical de forma radical, depois de ter gravado o terceiro tape, aderindo à moda de então, o bisonho e constrangedor gothic pop metal. Fico pensando como teria sido um full lenght genuinamente black metal da banda.

A Hammer of Damnation conta, ainda, com outros lançamentos relevantes, como o split cd do Evil com o australiano Drowning the Light (banda de que eu não gosto) e a compilação, até agora disponibilizada exclusivamente em tape, do material antigo do Dethroned Christ.
Permito-me encerrar, aqui, com uma sugestão ao Luiz Carlos de Oliveira, proprietário do selo: seria legal se fossem editados vinis limitados especiais dos seus principais lançamentos, assim como têm feito gravadoras estrangeiras (e, agora, até nacionais) que contam em seu cast com bandas potencialmente cult. Tenho absoluta certeza de que muitos colecionadores, no Brasil e lá fora, haveriam de se interessar pelo material.

domingo, 25 de agosto de 2013

Brain Dead "From the Ecstacy"


O sudeste asiático tem uma longa tradição no underground metálico. Pelo menos desde o final da década de oitenta, bandas provenientes daquelas paragens tornaram o lugar familiar para os colecionadores de demos ao redor do mundo. Os conjuntos de lá, usualmente a gravitar em torno do death/black metal visceral, primam pelo radicalismo do som e pela crueza das produções. Afinidades musicais com a cena extrema sulamericana são evidentes, principalmente com as clássicas bandas deathcore de Belo Horizonte.
O malaio Brain Dead encaixa-se perfeitamente nessa descrição. Seu debut e único full lenght, "From the Ecstacy" (sic), lançado em 1992 em formato cassete apenas no mercado doméstico da Malásia, consiste num deaththrash metal de cepa sulamericana fortemente influenciado pelo black metal old school (marcadamente na temática e nos vocais). Com efeito, em faixas como "Unholy Sins", a banda deixa clara sua dívida com Sepultura antigo, da fase "Schizophrenia" e até "Morbid Visions", na forma de riffs poderosos caudatários do já citado deaththrash feito na América do Sul na segunda metade dos gloriosos anos oitenta. Pitadas de Kreator, especificamente do "Terrible Certanty", também podem ser identificadas no som dos malaios. Menção especial vai aqui para a fuderosa cadência thrash que irrompe no meio daquela música: um quebra-pescoço superpalhetado típico do estilo.
Já em "Twisted Souls", o black metal da velha escola dá as caras e citações aos brazucas Sarcófago, do "INRI", e Sex Trash, do maravilhoso "Sexual Carnage", se fazem abundantes. O black metal grego, bem do comecinho dos noventa, também ajuda a compor o som do Brain Dead. Ouça-se, por exemplo, a excelente "Sacred", faixa majoritariamente construída numa levada mais lenta em que pulsa forte o espírito obscuro do antigo Rotting Christ do clássico ep "Passage to Arcturo". Aliás, cumpre ressaltar a extrema competência da banda para criar melodias macabras, bem na linha dos já citados Sepultura e Rotting Christ das antigas, que muito enriquecem o som dos caras, sem nunca soarem, entretanto, tolas ou melosas.
Embora eu tenha escolhido destacar essas três faixas - por coincidência, as três primeiras do play -, todo o disco é realmente muito, muito bom. A produção, ainda que pudesse ter conferido mais peso e densidade ao som, não compromete: é crua e casa bem com o estilo trilhado pela banda.
De bônus, esse relançamento limitado e numerado da obscura Thrashingfist da Malásia (a americana NWN! foi responsável pelo relançamento em vinil do lp) traz duas demos gravadas no ano de 1991. Numa delas, pessimamente produzida, o som do Brain Dead está bem diferente, contando com músicas curtas e rapidíssimas, que aproximam a banda do noisecore. A outra demo, composta por duas faixas registradas ao vivo num festival na Tailândia (ambas regravada no full lenght - uma delas com outro nome), é muito melhor e mostra a banda já seguindo a fórmula de sucesso do seu debut.
Dentro da onda de relançamentos que atualmente vem assolando o mercado, os títulos vindos do sudeste asiático - embora não sejam, talvez, os mais procurados pela generalidade dos colecionadores - são dos mais interessantes. Além desse ótimo Brain Dead, outras bandas históricas do metal extremo asiático, como os excelentes Abhorer e Nuctemeron  (não confundir com o homônimo brasileiro), ambas formações de Cingapura, ganharam versões recentes de seus velhos discos em cd e até em vinil. Para os fãs de black/death metal old school, esse é o momento exato de espichar os olhos em direção ao Oriente. Afinal, se conseguir hoje as versões originais daqueles discos é tarefa quase impossível, esses relançamentos, principalmente quando são limitados, logo ficarão também indisponíveis. Então, colecionador, se apresse! Salvo se você não se importe em pagar, no futuro, preços exorbitantes no e-bay e sites congêneres.


O belíssimo relançamento em vinil duplo da NWN!


Uma das primeira fotos promocionais do Brain Dead

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Loudness "The Birthday Eve"

O Loudness é considerado a primeira banda de heavy metal do Japão. Por décadas os discos do início de sua carreira foram de difícil aquisição, visto que inicialmente lançados, em lp, apenas em terras japonesas. Felizmente isso agora mudou. O selo inglês Krescendo Records finalmente disponibiliza no mercado internacional os três primeiros álbuns da banda, em formato cd. Trata-se, provavelmente, da melhor fase dos japoneses.
A música do Loudness – extremamente bem composta, caracterizada por guitarras espertas e transições de grande fluidez e qualidade – situa-se naquela linha tênue que separa o hard rock do heavy metal. Abundam no som da banda influências tomadas tanto de colossos setentistas do rock pesado, como Deep Purple e Whitesnake, como de conjuntos mais rápidos pertencentes à então fervilhante cena oitentista da New Wave of British Heavy Metal, como Iron Maiden e Def Leppard. Até um pouco de Van Halen e mesmo de pop (?!), há de se reconhecer, com inegável constrangimento, têm seu lugar na música do conjunto.
Embora inicialmente lançado, repita-se, apenas no mercado japonês, no longínquo ano de 1981, o disco de estreia do Loudness, “The Birthday Eve”, mesmo constituindo um caro item importado, rapidamente ganhou a atenção de fãs de todos os cantos do mundo. Fãs que, embora sequiosos pela velocidade crescente das novas bandas de heavy metal do início da década de oitenta, não dispensavam a inclusão de grandes doses de melodia na música. Ora, melodia e velocidade era precisamente o que o Loudness entregrava a seus ouvintes. Ouça-se, por exemplo, a faixa "Sexy Woman", movida a elaboradas melodias vocais, riffs quase sempre rápidos e sólidas partes de bateria e baixo, com óbvias referências a Iron Maiden (nas partes aceleradas). Não seria exagero dizer que já se prenunciava aí o power metal melódico que seria deflagrado anos depois, em meados da década de oitenta, por bandas festejadas como o alemão Helloween e o brasileiro Viper. Outro destaque do disco é a intrincada faixa "Street Woman", em que a técnica apuradíssima dos músicos se sobressai na forma de riffs angulosos e seguidas mudanças inusitadas de andamento. Até mesmo uma pitada de rock progressivo, na linha do canadense Rush, pode ser percebida na brilhante transição efetuada no meio dessa música. Felizmente para nós, amantes do bom e clássico heavy metal, as influências progressivas mantêm-se sempre discretas, nunca descambando para a aporrinhação tecnicista. Já a face puramente metal da banda aparece clara em faixas como "High Try" – um petardo N.W.O.B.H.M. na linha Diamond Head/Blitzkrieg em que é impossível não se engajar no headbanging.
A produção do disco é muito boa e deixou todos os instrumentos pesados e cristalinos, sem, contudo, pasteurizá-los. Ainda que o trabalho da cozinha seja memorável, cabe exaltar, em especial, a excelência das guitarras (tanto nos solos debulhados quantos nos riffs faiscantes), a cargo do virtuose Akira Takasaki, e o grande desempenho do vocalista Minoru Niihara. Aqui, entretanto, cabe um alerta. Muito embora a imposição vocal de Niihara possa parecer, a alguns ouvidos ocidentais, exagerada, mesmo dentro dos limites generosos do hard rock e do heavy metal, há de se ter em conta que não se trata de característica exclusivamente sua, mas da cultura musical do Japão. De fato, a música típica da Terra do Sol Nascente, seja rock, metal ou mesmo popular, é marcada por vocalizações calcadas em agudos “trincantes”. Dentro desse contexto, portanto, não chega a espantar o registro adotado por Niihara, ainda mais quando ele opta por cantar em japonês (durante quase todo o disco) e não no óbvio inglês.
O Loudness apenas iniciava, com “The Birthday Eve”, uma longa carreira, de moderado sucesso internacional, que se estende até os dias atuais. Outros bons discos se seguiram ao debut, como “Devil Soldier” (de 1982) e, num patamar inferior, “The Law of Devil’s Land” (de 1983), encerrando a fase de lançamentos exclusivamente japoneses da banda. Mas nem tudo são flores. Ao entrar, posteriormente, no mercado dos EUA e europeu, a banda optou por seguir uma trilha mais próxima do metal comercial americano, adicionando doses substanciais de melodias fáceis à sua música. O resultado dessa mudança, a partir da segunda metade dos anos oitenta, foi uma visível queda de qualidade musical, ao menos do ponto de vista do metal mais puro.
Sem embargo, seus primeiros discos, em especial o debut, são ótimos exemplos de metal melódico da mais alta qualidade. Para quem não conhecia a banda (e mesmo para os que a conheciam, mas ainda não tinham seus primeiros discos), os relançamentos da Krescendo Records são a oportunidade perfeita para resgatar um pedaço importante da história do heavy metal clássico japonês – e, por que não dizer, mundial – dos anos oitenta.


O visual assustador do pessoal do Loudness na época do debut
(se alguém disser que é incapaz de curtir a música por conta disso, entenderei perfeitamente)

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Invader "Children of War"


Death, black, war black metal, splatter. Metal extremo. Ok. Contudo, dando rápida passada de olhos nos posts anteriores, notei que a descrição deste blogue parece não entregar tudo o que promete. Afinal, cadê o metal clássico das antigas? Pois bem. Vou agora resgatar parcialmente minha dívida. Falarei sobre uma banda hoje quase totalmente esquecida (mas muito legal!) pertencente a um dos estilos mais fantásticos da gloriosa história do metal: o heavy/speed metal oitentista.

O nome Invader decerto não é mencionado entre os grupos mais importantes da velha e superpovoada cena alemã. Quando seu disco de estreia, "Children of War", foi gravado, em fins de 1985, o heavy metal clássico já estava em franco declínio, ao menos junto à massa mais nova e furiosa de headbangers. De fato, o frescor, a crueza e a velocidade insana das insurgentes bandas de thrash e black metal - epitomados, na antiga Alemanha Ocidental, pelo maldito trio de ferro Destruction/Sodom/Kreator - haviam deixado o heavy mais ortodoxo com um semblante envelhecido.
A resposta da corrente mais conservadora a esse boom do thrash metal foi, em parte, acelerar, ela também, o tempo da sua música, inserindo bumbos duplos e palhetadas mais "fritadas", com a manutenção, porém, de altas doses de melodia, tanto nos fraseados de guitarra quanto nas linhas vocais, seguindo e defendendo a tradição do heavy metal clássico. Essa reação (depois transformada numa paródia ridícula nas décadas seguintes), por alguns denominada, naquela época, de power metal, gerou frutos excelentes. Como ilustração mencionem-se o antigo Helloween (fase com Kai Hansen), na Alemanha, Agent Steel e Omen, nos EUA, e Viper (do primeiro disco), no Brasil.
Sem embargo, esmagadas entre uma tendência (do thrash) e outra (do power), muita bandas ficaram pelo caminho. Não eram duras o suficiente para entrarem na cena thrash nem tão melódicas para serem aceitas na do power. Esse foi o caso do nosso Invader. Sua música, para bem e para mal, é um retrato fiel do heavy/speed metal alemão da época: riffs calcados em Accept (do "Restless and Wild" e do "Balls to the Wall") e Judas Priest (do "British Steel" e do "Screaming for Vengeance"); andamentos sem obsessão por seguidas mudanças de tempo no curso da mesma música, com a inclusão, nas partes mais rápidas, de bumbos duplos; melodias vocais simples mas bacanas, com um toque épico em alguns momentos; palhetadas cavalgadas; boas harmonias de guitarras e uma sonoridade mais contida (e não tão thrash) na caixa da bateria. Tudo isso pode ser conferido, por exemplo, na ótima faixa "March for Victory".
Não faltam também, em "Children of War", aquelas músicas mais rockers, feitas para bater cabeça no show, cantando junto com a banda com um dos braços levantado no ar, caso de "Black Sex". Muito divertida! O play fecha com a indefectível balada movida a dedilhado. Embora não seja muito fã delas, reconheço que a despretensiosa "Days of Sorrow" não é ruim.
"Children of War" foi, ao mesmo tempo, o disco de estreia e o canto do cisne do Invader. Logo depois a banda acabou. Muito provavelmente em razão da já referida falta de espaço no cenário metal da época.
Para nós, colecionadores devotados, descobrir essas pérolas do passado é gratificante. Principalmente hoje, quando tantas bandas retrô tentam ressuscitar, com mais fracassos do que sucessos, o saudoso espírito libertário dos anos oitenta. Um agradecimento especial fica aqui registrado para a finada No Remorse Records, da Grécia, pela pesquisa minudente que possibilitou o relançamento desse disco. Junto com alemães e japoneses, os gregos são, definitivamente, os maiores arqueólogos da era de ouro do metal.

O pessoal do Invader - no velho e bom espírito oitentista "heavy metal é diversão"