segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Bleak House "Suspended Animation"


Dizem que durante a New Wave of British Heavy Metal mais de mil bandas do estilo surgiram no Reino Unido. Poucas duraram mais de um par de anos. Uma fração ainda menor conseguiu chegar ao vinil. O Bleak House logrou as duas coisas. Ainda assim, não escapou de ser enterrado nas areias do tempo, sendo conhecido, até agora, apenas por meia-dúzia de devotados historiadores do metal britânico. Segundo reza a história, a banda inglesa foi formada na primeira metade dos anos setenta e, ao longo dos anos, atendeu por diversos nomes, antes de firmar aquele sob o qual registrou um single (em 1980), um ep (em 1982) e um show ao vivo (também em 1980). Todo esse material está reunido nesta interessante compilação editada pela cult gravadora californiana Buried by Time and Dust - nome muito apropriado, aliás.
Apesar de ter sido formado já no começo dos setenta, o Bleak House mostra uma sonoridade totalmente N.W.O.B.H.M. dos primórdios. Vale dizer, aquele metal '79, tipo Diamond Head/Saxon, que muitas bandas britânicas seguiam antes do estouro definitivo do Iron Maiden em 81. O instrumental é quase sempre simples, mas muito eficiente, com as músicas sendo amarradas por boas linhas vocais melódicas a cargo de Graham Shaw. É bem verdade que, no material ao vivo, o vocal não ficou muito legal, soando demasiadamente à frente dos instrumentos. Embora Shaw tenha uma voz bacana e marcante, a falta de retoque na produção deixou evidente sua técnica limitada e algumas desafinadas dolorosas surgem no correr das músicas. Sem embargo, no material de estúdio o problema foi corrigido. Além das ótimas melodias, outro ponto forte da banda é o trabalho de baixo desenvolvido por Gez Turner, que soa incrivelmente pesado. De fato, chama a atenção não só suas linhas de baixo, por vezes destacadas da guitarra, mas a incrível distorção que ele consegue tirar das quatro cordas, principalmente ao vivo. Essa particular sonoridade ajuda a imprimir uma densidade mamutesca ao som da banda.
No single de 1980, Rainbow Warrior, o Bleak House, embora decididamente metal, ainda revela vínculo mais estreito com o hard setentista. Vide, por exemplo, a maciça utilização de vozes dobradas. A produção do disco também segue a linha setentista, sendo bem "vazada" e "aberta". Meu destaque vai para a sabbathesca Isandhlwana, com seu instrumental caprichado e suas mudanças de tempo bacanas. Já no ep de 1982, Lions in Winter, a banda assume sonoridade mais oitentista e marcial. Ouça-se, por exemplo, a rápida Down to Zero, movida a marteladas certeiras do batera Roy Reed.
A parte ao vivo, gravada num show realizado após o lançamento do primeiro single, conta com doze músicas. Muitas delas permaneceram sem debutar em vinil. Daí o interesse maior do material. O som do Bleak House soava bem encorpado ao vivo, o que pode ser comprovado pela épica faixa To the Gods, construída por meio de bases avassaladoras de puro e legítimo metal pesado, cortesia da guitarra carnívora de Bob Bonshor.
Embora não seja do mesmo nível de Holocaust, Cloven Hoof, Diamond Head, Saxon, Blitzkrieg, Aragorn, Chateaux, Tygers of Pan Tang, o Bleak House não é banda para ser desprezada e merece constar da coleção de todo entusiasta da maravilhosa e seminal N.W.O.B.H.M.


Contra-capa da coletânea

Selo do single original de 1980 - total item de colecionador!

PS. A High Roller Records (ainda vou fazer um post especial sobre os lançamentos dessa fabulosa gravadora alemã) lançou também uma versão dupla em vinil do Bleak House parecida com a versão em cd da Buried by Time and Dust, mas com três músicas ao vivo a mais: duas já conhecidas e uma inédita.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Disgorge (MEX) "Gorelics"

Estou longe de ser fã incondicional de brutal death metal. Durante muito tempo ignorei o Disgorge mexicano exatamente porque o considerava (erradamente) uma banda arquetípica do estilo. Recentemente, aproveitando uma promoção da gravadora Nuclear War Now!, resolvi arriscar e comprar uma compilação de material antigo da banda, cobrindo o período anterior, e imediatamente posterior, ao seu primeiro full lenght (sou aficionado por colecionar material de demos). A compilação é fruto de parceria entre a conhecida Obliteration Records, do Japão, e a Embrace my Funeral, do México. O cd me custou três dólares e meio. Assim, se fosse ruim, não perderia muito dinheiro. Oh, boy...acho que foi a melhor compra na relação custo-benefício que já fiz na vida.
O que temos neste Gorelics é a reunião das duas demos lançadas pelo Disgorge (em 95 e em 96), mais dois ensaios antigos (de 94 e de 95), uma promo gravada logo depois do primeiro full lenght (em 98), além do split ep com o Squash Bowels, da Polônia (também de 98). Todo o material é absolutamente foda. Trata-se de um death metal predominantemente old school, pútrido a não mais poder, pesado ao ponto da indecência e mais sujo do que uma vara de mil porcos chafurdando em esgoto contaminado.
É bem verdade que as músicas constantes dos registros da segunda metade da década de noventa apresentam traços inequívocos de brutal death metal. Ainda assim, o material é de primeira. A principal virtude do Disgorge é que a banda não deixa de lado os riffs mórbidos e chumbados no peso mesmo quando toca death metal moderno - o que, infelizmente, não se pode dizer de muitas bandas do estilo, que facilmente abandonam o velho e consagrado power-chord em favor de bases que mais parecem brochantes exercícios de escala. Com efeito, sejam old school ou modernos, os riffs executados pelos mexicanos exalam competência e criatividade. Ouça-se, por exemplo, a faixa Scid, constante da promo de 98, na qual as influências antigas e modernas se misturam para dar gênese a um death metal absolutamente avassalador. Se todo brutal death metal soasse assim, eu seria fã do estilo.
O ponto alto, contudo, é mesmo o material gravado em 94 e 95. Refiro-me à primeira demo, de 95, e aos dois ensaios, um também de 95 e outro de 94. Neles, o death metal da velha escola se apresenta em sua forma  mais pura. O som, conquanto esteja longe de ser uma cópia, segue mais a linha da escola americana, com um pé na Flórida (Monstrosity do Imperial Doom) e outro na costa leste (Incantation antigo e Cannibal Corpse do Butchered at Birth). Sem embargo, uma miríade de outras influências pode ser notada: aqui uma pitada de death austríaco clássico, tipo Pungent Stench/Miasma; ali de death sueco antigo à la Grave do Into the Grave; acolá de Carcass do Reek of Putrefaction. Embora todas as músicas sejam ótimas, meu destaque vai para a apavorante Monument to my Remains, som tirado do ensaio de 94, que é, simplesmente, uma das coisas mais maravilhosamente imundas que já ouvi sob a rubrica do death metal - notem a forte influência do death sueco de raiz e de Pungent Stench nessa faixa em particular. Com toda a sinceridade, esse ensaio de 94, com suas meras duas faixas, entrou direto na minha lista de melhores demos de death metal de todos os tempos!
Não fosse o bastante, ainda há que se mencionar com destaque a primeira demo oficial da banda, Through the Innards, gravada em 95. Embora não seja tão assassina quanto os ensaios, seu poder de fogo é inegável. Confira-se, a título de ilustração, a faixa Grotesque Devourment, na qual a alta categoria do Disgorge para compor riffs matadores fica mais uma vez comprovada.
Para fechar com maestria a coletânea, constam duas covers, muito legais, gravadas em 2001: uma do clássico Regurgitate, da Suécia, e outra dos velhos guerreiros do underground mexicano, o Anarchus. A sonoridade aqui nada tem de death metal, seja old school ou moderno, é totalmente splatter tradicional.
Certamente uma das compilação de demos mais relevantes já lançadas no mercado.
Obrigatória!


A capinha profissional da primeira demo

Foto da antiga formação em power trio

domingo, 15 de setembro de 2013

Carcass e Bolt Thrower - relançamentos em vinil

A famosa gravadora inglesa de death metal/grindcore Earache dá sequência à sua maravilhosa série de relançamentos em vinil "Full Dynamic Range".
A bola da vez é o demolidor e absolutamente avant garde full lenght de estreia do Carcass, Reek of Putrefaction, originalmente lançado em 1988, e o terceiro lp do Bolt Thrower, Warmaster, de 1991. As edições são de babar. Trata-se de versões gatefolded (pra ser inteiramente honesto, não consegui sacar se a do Carcass é gatefolded; só vou descobrir quando as minhas cópias - purple e green - chegarem) com vinis em varias opções de cores, além do tradicional black wax. Confiram só a qualidade da bagaça:







Vale lembrar que outros títulos das bandas já foram disponibilizados na mesma série, como Necroticism: Descanting the Insalubrious e Heartwork, ambos do Carcass, e Realm of Chaos e The IVth Crusade, esses dois do Bolt Thrower. As versões em vinil colorido desses últimos plays já estão esgotadas no site da Earache, sendo possível comprar os lps apenas no tradicional vinil preto.

Cannibal Corpse - picture vinis relançados

A velha Metal Blade, da Califórnia, também não fica para trás. Em comemoração aos vinte e cinco anos de carreira da lenda do gore death metal americano Cannibal Corpse, o selo recentemente editou em versão picture todos os full lenghts da banda. Eles ficaram bem legais (mas senti falta de uma capa convencional de papelão por cima), saquem só dois exemplos:


Butchered at Birth - frente do picture

Butchered at Birth - verso do picture


The Wretched Spawn - frente do picture

The Wretched Spawn - verso do picture

Também é de se ter em conta o relançamento em vinil (não picture) desses mesmos discos do Cannibal Corpse realizado há pouco tempo pelo selo inglês Back on Black. Para quem não conhece, a Back on Black (como o nome já entrega) é especializada em reeditar em vinil discos antigos pertencentes a catálogos de diferentes gravadoras clássicas do universo heavy metal. Vale muito a pena dar uma conferida em seu site.

Amorphis - "Privilege of Evil", relançamento em vinil

Já a americana Relapse coloca no mercado mais dois títulos importantes em vinil. Um deles é a obra suprema do death metal finlandês, o ep Privilege of Evil, do Amorphis, gravado em maio de 1991, mas somente lançado dois anos depois. O outro título é o segundo full dos finlandeses, Tales from the Thousand Lakes, originalmente lançado em 1994. Embora eu não goste do som do Amorphis no Tales (já haviam, desgraçadamente, abandonado o death metal clássico), reconheço que ambas as versões da Relapse ficaram do cacete:


Privilege of Evil - o clássico dos clássicos do death metal finlandês

Tales from the Thousand Lakes

O Privilege of Evil, como é de praxe nesses relançamentos, conta com várias opões de cores. Selecionei essa aí de cima, que me parece a mais legal e foi a que comprei. O Tales já está esgotado para venda no site da Relapse. Para quem gosta de death metal puro, perder essa edição do Tales nem é assim tão dramático. Agora, perder a do Privilege, aí é para chorar. Na minha humilde opinião, o ep Privilege of Evil, juntamente com o material do Abhorrence (para quem não sabe, essa era a banda dos caras antes de formarem o Amorphis), é o que de mais foda há no death metal clássico finlandês. Companheiros colecionadores, corram! Antes que seja tarde...

domingo, 8 de setembro de 2013

Nidhoggr "Ravens over the Road of Kings"

O black norueguês talvez seja o estilo mais inorgânico da história do metal. Concebido de forma deliberada, no início dos anos noventa, como uma reação estilística e ideológica ao multiculturalismo inclusivista do death metal, o estilo surgiu como um experimento realizado sob condições de laboratório a partir da fórmula patenteada pelo sueco Bathory na década anterior. Como é de sabença geral, o líder do Mayhem, Oystein Aarseth (vulgo Euronymous), foi seu principal artífice, ao estabelecer, cuidadosamente, os aspectos estruturais que iriam tornar, nos anos vindouros, o estilo inconfundível: blast beats quase sempre contínuos, high pitched riffs, palhetadas em trêmolo, vocais agudos rasgados, gravação tosca e estridente (nesse quesito específico, a contribuição de Dark Throne e de Burzum, reconheça-se, foi até mais importante do que a do Mayhem), visual blasfemo carregado de tachas e pregos, corpse paint, letras satânicas e assombradas por um passado mítico e remoto.
O sucesso da empreitada foi tão avassalador que rapidamente se operou no underground mundial um reducionismo: tocar black metal passou a ser entendido, quase unanimemente, como tocar black metal ao estilo norueguês. De fato, um dos mais importantes e duradouros legados dos noruegueses foi ter traçado, de modo claro e preciso, uma distinção entre death e black metal, que, até então, vinham mais ou menos misturados como prática musical (ainda que, conceitualmente, pudessem ser discernidos). Basta ver a importância que o metal da morte tinha no som de bandas de black metal extremo anteriores à explosão norueguesa, como Sarcófago, Blasphemy, Profanatica, Beherit ou Impaled Nazarene.
Talvez pela proximidade geográfica (e cultural), a cena finlandesa rapidamente mergulhou nas influências do norsk black metal. Sem embargo, como é da tradição dos finlandeses (o mesmo se passou, anteriormente, com o death metal vindo da Suécia), essas influências foram matizadas para gerar um black metal moderno mas com cara finlandesa. Um black metal embebido em certa obscuridade especial, uma rudeza tristonha difícil de definir, que é partilhada por muitas bandas vindas daquele canto gelado do mundo.
Foi nesse contexto que nasceu o Nidhoggr, projeto pessoal do compositor/guitarrista/baixista/vocalista/faz-quase-tudo Nadrach the Grim. Neste cd temos a única demo da banda, "Ravens over the Road of Kings", que consiste em apenas duas faixas e uma introdução gravadas em 1994. Trata-se de um black metal ríspido, ultradistorcido, emocionalmente carregado de negatividade, dramático, nostálgico e contemplativo, dotado daquelas típicas melodias tristes e desesperançadas do black nórdico. As maiores referências da banda parecem ser o Burzum e o Forgotten Woods antigos, mas o Nidhoggr investe mais fundo nos climas depressivos do que as duas bandas norueguesas mencionadas. Estruturalmente, sua música varia de uma levada toda cadenciada para um andamento misto, constituído por blast beats e passagens mais lentas, de modo a servir de base, no segundo caso, para a alternância de riffs frenéticos, cheios de trêmolos (com aquelas variações sutis que só ouvidos escolados conseguem captar), com riffs também intensos mas menos rápidos. Os competentes vocais vão na linha do que há de mais tradicional, revelando grande afinidade com Burzum. Ouçam a faixa "Thou Shalt Burn at our Stakes" e confiram.
Embora não seja muito original - até porque, nos idos de 1994, o só fato de tocar black metal norueguês já era, por si, algo novo -, o som do Nidhoggr é plenamente representativo do que de melhor se fez sob essa rubrica nos primórdios do estilo. Black metal transcendental, depressivo, anti-individualista, emocional, nostálgico, purista, trágico e contemplativo. Assim como todo bom black metal da escola norueguesa tem de ser. Assim como todo bom herdeiro da tradição romântica alemã - e o black norueguês o é - deve ser.
O suicídio de Nadrach (e não é esse mesmo o fim de todo herói romântico?) encerrou prematuramente a saga deste excelente Nidhoggr, mas fica aqui o registro de sua demo, felizmente resgatada do oblívio.
Tomando a liberdade de soar pernóstico: é música para dissolver o "eu psicológico" (liberal-burguês) no todo metafísico do "um não-dualista".


A capinha original da demo